terça-feira, 5 de março de 2013

Nova lei seca: “mais rigor, menos violência no trânsito”. Você acredita nessa mentira?


Em todo momento são elaboradas novas leis penais, mas as mortes no trânsito, logo que a fiscalização fraqueja, voltam a aumentar. 

Com 43 mil mortes no trânsito em 2010 (cerca de 46 mil em 2012, consoante projeções do Instituto Avante Brasil), 3º país do mundo em acidentes fatais (passamos EUA e Rússia, assim como toda a União Europeia reunida), é evidente que todos queremos que algo seja feito para nos tirar desse buraco trágico e tanatológico.

Sou favorável à tolerância zero! Concordo que a última reforma da lei seca era necessária! Mas é chegado o momento de dizermos NÃO aos excessos autoritários da sua despótica interpretação, dada pela Resolução 432/13. É correto punir o infrator que bebe e depois dirige. Alguma sanção ele tem que sofrer. Mas o critério quantitativo (a partir de 0,34 mg/L de ar expelido) para distinguir a infração administrativa da criminal é absolutamente inconstitucional, incorreto e aberrante, porque cada pessoa reage de uma maneira frente ao álcool.

O critério generalista é o atalho de que se valem os intérpretes da repressão para se afirmar que estamos diante de um perigo abstrato presumido. Com “x” quantidade de álcool no sangue presume-se a alteração da capacidade psicomotora. Com isso a prisão fica facilitada. O enquadramento como crime de um fato que não passa de infração administrativa mancha o condenado pelo resto da vida, dificultando arrumar emprego bem como passar em concursos públicos.

Além de injusta, imagina-se que é com essa interpretação que serão reduzidas as mortes no trânsito. E o governo ainda divulga isso como algo verdadeiro. Fabrica-se uma nova lei e acredita-se que ela faça mágica! O Poder Político (Executivo e Legislativo), no campo criminal, sempre se comporta como nossos ancestrais, que pintavam os bichos nas cavernas e acreditavam que, com isso, já detinham a posse desses animais. Publica-se uma nova lei no Diário Oficial (versão moderna das paredes das cavernas) e acredita-se que esse conjunto de palavras mal escritas e despoticamente interpretadas possa mudar a realidade!

Quando apareceu o novo Código de Trânsito brasileiro, em 1997, o Datasus já registrava 35.620 mortes no trânsito. Logo que esta lei parou de surtir o efeito desejado, modificou-se o CTB em 2006 e aí já contávamos com 36.367 mortes. Não tendo funcionado bem essa nova lei, veio a Lei Seca de 2008, quando alcançamos o patamar de 38.273 mortes. De 2009 para 2010, logo depois de passada a ressaca da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda nossa história: 13,96%.

A propaganda enganosa e populista do governo diz: “Mais rigor, menos violência no trânsito”. Os números comprovam essa mentira: houve rigorismo penal em 1997 (quando tínhamos 35.620 mortes), em 2006 (agora já contávamos com 36.367 mortes) e 2008 (quando chegamos a 38.273 mortes).

Depois da Lei Seca alcançamos, em 2010, quase 43 mil mortes. Que eficácia é essa da lei penal nova mais rigorosa? Em todo momento produzimos nova lei penal, mas as mortes, logo que a fiscalização fraqueja, voltam a aumentar.

Até quando vão continuar nos mentindo, imaginando que não sabemos do fracasso das três leis penais anteriores à nova lei seca, todas no sentido do maior rigorismo penal, como solução para o problema da irresponsável necro-política viária brasileira? O que funciona é a fiscalização, não o engodo da lei penal mais dura.

Elaborado em 02/2013

Autor

  • Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).

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