sexta-feira, 21 de março de 2014

Não há solução, pois não conhecemos nem o problema

Entrevista com o líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, ao jornal O Globo



Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema

O GLOBO: Você é do PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… E antigamente era mole resolver o problema da miséria… O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca vinha… Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas… Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu? Sou culto… Leio Dante na prisão…

O GLOBO: – Mas… a solução seria…
- Solução? Não há mais solução, cara… A própria idéia de “solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

O GLOBO: – Você não têm medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora…. Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba… Estamos no centro do Insolúvel, mesmo… Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha… Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O GLOBO: – O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “microondas”… ha, ha… Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

O GLOBO: – Mas o que devemos fazer?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas… O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”. Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… A gente já tem até foguete anti-tanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí… Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas… Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?

O GLOBO: – Mas… não haveria solução?
- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco…na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!” Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
A.J.

Fonte: Facebook

domingo, 16 de março de 2014

Rodrigo Constantino escreve carta crítica a Letícia Spiller

Prezada Letícia,

Antes de mais nada, gostaria de dizer que admiro seu talento como atriz e também te considero muito bonita. Infelizmente, você tem endossado certas ideias um tanto estapafúrdias, aplaudido regimes nefastos como o cubano, e alegado que se arrepende de ter usado uma camisa com a bandeira americana no passado, chegando a afirmar que se fosse hoje usaria uma com o Che Guevara.

Ontem, sua casa no Itanhangá foi assaltada por bandidos armados, que lhe fizeram de refém enquanto sua filha dormia logo ao lado. Lamento o que você passou, pois deve ser, sem dúvida, uma experiência traumática. Nossa casa é nosso castelo, e se sentir inseguro nela é terrível, especialmente quando temos filhos menores morando com a gente. A sensação de impotência é avassaladora, e muitos chegam a decidir se mudar do país após experiências deste tipo.

O que eu gostaria, entretanto, é que você fosse capaz de fazer uma limonada desse limão, ou seja, que pudesse extrair lições importantes desse trauma que ajudassem a transformá-la em uma pessoa melhor, mais consciente dos reais problemas que nosso país enfrenta. Se isso acontecesse, então aquelas horas de profunda angústia não seriam em vão.

Como você talvez saiba, sou o autor do livro Esquerda Caviar, que fala exatamente de pessoas com seu perfil (aproveito para lhe oferecer um exemplar autografado, se assim desejar). Artistas e “intelectuais” ricos, que vivem no conforto que só o capitalismo pode oferecer, protegidos pela polícia “fascista”, mas que adoram pregar o socialismo, a tirania cubana ou tratar bandidos como vítimas da sociedade: eis o alvo da obra.

Essa campanha ideológica feita por esses artistas famosos acaba tendo influência em nossa cultura, pois, para o bem ou para o mal (quase sempre para o mal), atores e atrizes são formadores de opinião por aqui. Quando um Sean Penn, por exemplo, abraça o tiranete Maduro na Venezuela, ele empresta sua fama a um regime nefasto, ignorando todo o sofrimento do povo venezuelano. Isso é algo abjeto.

No Brasil, vários artistas de esquerda têm elogiado ditaduras socialistas, atacado a polícia, o capitalismo, as empresas que buscam lucrar mais de forma totalmente legítima, etc. Muitos chegaram a enaltecer os vagabundos mascarados dos black blocs, cuja ação já resultou na morte de um cinegrafista.

Pois bem: a impunidade é o maior convite ao crime que existe. Quando vocês tratam bandidos como vítimas da sociedade, como se fossem autômatos incapazes de escolher entre o certo e o errado, como se pobreza por si só levasse alguém a praticar uma invasão dessas que você sofreu, vocês incentivam o crime!

Pense nisso, Letícia. Gostaria de perguntar uma coisa: quando você se viu ali, impotente, com sua propriedade privada invadida, com armas apontadas para a sua cabeça, você realmente acreditou que estava diante de pobres vítimas da “sociedade”, coitadinhos sem oportunidade diferente na vida? Ou você torceu para que fossem presos e punidos por escolherem agir de forma tão covarde contra uma mãe e uma filha em sua própria casa?

Che Guevara, que você parece idolatrar por falta de conhecimento, achava que era absolutamente justo invadir propriedades como a sua. Afinal, o socialismo é isso: tirar dos que têm mais para dar aos que têm menos, como se riqueza fosse jogo de soma zero e fruto da exploração dos mais pobres. Você se enxerga como uma exploradora? Ou acha que sua bela casa é uma conquista legítima por ter trabalhado em várias novelas e levado diversão voluntária aos consumidores?

Nunca é tarde para aprender, para tomar a decisão correta. Por isso, Letícia, faço votos para que esse desespero que você deve ter sentido ontem se transforme em um chamado para uma mudança. Abandone a esquerda caviar, pois ela não presta, é hipócrita, e chega a ser cúmplice desse tipo de crime que você foi vítima. Saia das sombras do socialismo e passe a defender a propriedade privada, o império das leis, o fim da impunidade e o combate ao crime, nobre missão da polícia tão demonizada por seus colegas.

Te espero do lado de cá, o lado daqueles que não desejam apenas posar como “altruístas” com base em discurso hipócrita e sensacionalista, daqueles que focam mais nos resultados concretos das ideias do que no regozijo pessoal com as aparências de revolucionário engajado. Será bem-vinda, como tantos outros que já acordaram e tiveram a coragem de reconhecer o enorme equívoco das lutas passadas em prol do socialismo.

Um abraço,
Rodrigo Constantino

Fonte: VEJA