Uma guerra no deserto
A
solidão do Saara é infinita, seu silêncio de início do mundo, sua paz e suas
areias, seu céu cristalino, todas essas paisagens por tanto tempo protegidas
contra os furores da história serão maculadas por uma das guerras das quais se
alimenta o nosso século? Tudo está pronto para o horror. No coração do deserto,
a região norte do Mali (cuja capital é Bamako) caiu há alguns meses nas garras
dos islamistas. Firmemente instalados na região de Gao e da cidade sagrada de
Timbuctu, eles impuseram há alguns meses a ordem do terror. A sharia governa a
sociedade. Ela fustiga, lapida, corta os braços ou as pernas daqueles,
principalmente daquelas, que desafiam proibições da afetação da virtude. Os
túmulos dos santos muçulmanos, numerosos em Timbuctu, foram demolidos,
indubitavelmente porque esses santos não eram suficientemente
santos.
Quem são esses vingadores? No início, os primeiros sobressaltos
foram estritamente políticos - os tuaregues, que habitam essas regiões áridas,
levantaram-se para obter a independência. Mas logo em seguida esses combatentes
foram sufocados e suplantados por dois grupos islamistas: de um lado a Al-Qaeda
local; do outro lado, os integrantes do Mujao (Movimento pela Unidade e a Jihad
na África Ocidental).
São bandos poderosos. Seus guerreiros são muito bem
treinados, resolutos, corajosos. Eles exercem um fascínio sobre os fanáticos do
Islã. A cada dia, novos voluntários chegam às centenas da África ou da Ásia.
Poderiam invadir sem problemas o sul do Mali e Bamako.
Os países vizinhos
são fracos e indecisos. Não têm condições de fazer frente a essas milícias das
areias. Por outro lado, o Ocidente hesita há muito tempo. A França, por exemplo,
que ali se encontra em suas antigas prerrogativas imperiais, teme que uma
iniciativa de sua parte seja entendida por toda a África como um resquício de
neocolonialismo. Além disso, as brigadas da Al-Qaeda detêm seis reféns
franceses, que serão mortos se a França entrar na guerra.
Os EUA também
compreenderam que não é possível aceitar que a sharia reine na África. Portanto,
deverá ser montada uma operação liderada pelos próprios africanos, em janeiro,
com o apoio logístico da França e dos EUA. Como sempre, podemos imaginar que
algumas forças especiais francesas ou americanas agirão no terreno, mais ou
menos secretamente.
Um país desempenha um papel crucial, a Argélia, à
qual pertence a maior parte do Saara, mas que há muito tempo rejeitou um
envolvimento nesse cenário. Por outro lado, a Al-Qaeda detém vários reféns
argelinos (diplomatas de alto escalão) que serão sacrificados no primeiro
incidente. E, finalmente, a Argélia não quer mais que potências estrangeiras
interfiram nos assuntos do Saara que ela mantém como seu "quintal".
Não
se deve subestimar a nocividade da gente de Timbuctu: eles são milhares e
decididos. São profissionais do crime mais do que da oração. Ao redor desses
"religiosos", agruparam-se bandidos de larga experiência, cortadores de
gargantas, gente que gosta de sangue, da morte ou do suplício. Uma ação contra
os profanadores das tumbas seria também uma operação contra uma mescla de
gângsteres insanos: alerta vermelho.
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-guerra-no-deserto-,950005,0.htm
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