CAMPO NOVO DO PARECIS, Brasil, 30 Mai 2012 (AFP) -O que começou como contrabando
virou tábua de salvação e pleito legal: a soja transgênica, responsável por 85%
da produção brasileira, enfrenta a Monsanto, com cinco milhões de produtores,
pelo pagamento de direitos sobre sementes modificadas.
Por volta de
meados dos anos 1990, o gigante agroquímico americano Monsanto começou a
comercializar a soja alterada geneticamente nos Estados Unidos para
contrabalançar os efeitos dos herbicidas.
As primeiras sementes entraram
por contrabando no Brasil, procedentes da Argentina, em 1998, e seu uso foi
proibido e perseguido até a década passada, segundo a empresa estatal de
pesquisa agropecuária (Embrapa).
Quinze anos depois, sua comercialização
não só é legal, mas a expansão foi tal que hoje 85% dos quase 25 milhões de
hectares semeados com soja no Brasil (7% do território) são de origem
transgênica, disse à AFP Alexandre Cattelan, pesquisador da Embrapa.
O
Brasil foi, em 2011, depois dos Estados Unidos, o segundo produtor e exportador
mundial deste grão utilizado para alimentar o gado, e fabricação de óleo e
biocombustíveis. A China é o principal comprador da soja brasileira.
A
Monsanto cobra milhões de dólares ao ano pela patente da soja Roundup Ready
(RR), resistente ao herbicida glifosato.
Até este ponto, a história não
apresenta controvérsia, já que este é o cultivo mais rentável e de maior
expansão no Brasil, que só no ano passado faturou 24,14 bilhões de dólares e
representou 26% das exportações agropecuárias.
No entanto, a empresa foi
processada há quase quatro anos por cinco milhões de pequenos e grandes
produtores brasileiros por "se apropriar indevidamente" de 2% da venda da
colheita anual de soja.
Desde a colheita 2003-2004, a Monsanto impôs um
sistema pelo qual os produtores, na hora de vender a soja, devem descontar 2%
para a companhia a título de regalias de propriedade intelectual, disse à AFP
Neri Perin, representante legal dos grandes agricultores.
Desta forma, os
agricultores acabam pagando duas vezes por semente modificada, no momento de
adquiri-la e multiplicá-la para seus fins, segundo os advogados.
"A
Monsanto ganha no momento de vender as sementes modificadas à empresa. A lei
prevê o direito dos produtores de multiplicar as sementes que compram e, em
nenhuma parte do mundo se cobra pela produção final. Os produtores estão pagando
um imposto privado sobre a produção", disse à AFP a advogada demandante Jane
Berwanger.
Em abril, o juiz de primeira instância do Rio Grande do Sul
(sul), Giovanni Conti, decidiu a favor dos produtores e condenou a empresa a
devolver o dinheiro cobrado desde 2004 a título de regalias, que segundo os
cálculos mais conservadores seriam de US$ 2 milhões.
A empresa apelou em
segunda instância e o caso deverá ser decidido pela justiça federal em terceira
e última instância até o começo de 2014.
A AFP tentou ouvir a versão da
Monsanto. A empresa se negou a dar detalhes, mas esclareceu que depois de
impugnar a primeira decisão, continuou com a cobrança de regalias à espera de
uma decisão definitiva.
"A empresa alega que precisa de compensações por
sua tecnologia, mas esta forma de compensação é inválida porque a patente já
expirou em 2003 e porque só pode cobrar de empresas que vendem suas sementes",
disse Berwanger.
-- "O grão que cresceu demais" -- Além do pleito com a
Monsanto, a soja transgênica conquistou espaço à força no Brasil: de
ecologistas, que denunciam a destruição de ecossistemas frágeis, a analistas,
que alegam um alto impacto social, ambos rejeitam a expansão espetacular do
cultivo.
"Apesar de ocupar 44% da área plantada com grãos, responde por
apenas 5,5% de empregos no setor agropecuário", disse à AFP Sergio Schlesinger,
pesquisador e autor do livro "O grão que cresceu demais: a soja e seus impactos
sobre a sociedade e o meio ambiente".
A soja é uma monocultura altamente
mecanizada, com mínima mão-de-obra, que expulsa milhares de camponeses para as
periferias, em um processo migratório rápido e sem controle.
O Estado
brasileiro, que a princípio perseguiu a soja transgênica, agora investe muitos
recursos na pesquisa e no desenvolvimento deste tipo de biotecnologia.
A
soja é cultivada em 17 dos 27 estados brasileiros. O estado de Mato Grosso
(centro-oeste) concentra a maior parte dos cultivos. Ali, em Campo Novo do
Parecis, a paisagem revela as características do cultivo: grandes extensões de
terra semeadas com o grão, alguns poucos operários e máquinas colheitadeiras a
pleno vapor.
O aumento do consumo de carne, especialmente nos países
emergentes, contribui para o êxito da soja. A demanda mundial por este grão
oleaginoso é elevada, as reservas são escassas e sua cotação permanece
alta.
A aplicação do cultivo ameaça o cerrado brasileiro, uma região com
2 milhões de quilômetros quadrados, que abriga 5% da biodiversidade mundial,
segundo a ONG ambientalista WWF.
No Brasil, a superfície plantada de soja
passou de 1,7 milhão para quase 25 milhões de hectares em 40 anos. Isto se
traduziu em um desmatamento maciço, segundo a WWF.
Fonte: UOL Notícias
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